segunda-feira, 18 de abril de 2011

Desde sempre

Oi, e aí?
Queria te escrever porque eu resolvi finalmente que vou falar. Vou sim, cansei de ser a protagonista de uma novela que só eu participava. Você ali, vivendo a vida real, e eu encenando. Cansei, viu? Então agora você vai ouvir.
Eu sempre fui. Sempre, desde aquela época que você me emprestava aquela bicicleta preta enorme. Era enorme e eu tinha que subir no banco pra andar nela, eu morria de medo, de tão alta que eu ficava, mas eu encarava, porque e queria me aproximar de você. Essa história de as nossas famílias serem uma só me confundiu a cabeça toda. "Ele é como seu irmão!". Como assim, irmão? Ele nem da família é! Que coisa esquisita, no começo eu me sentia estranha mesmo, criança e sem entender nada, pra mim você era meu amiguinho, de brincar junto, eu sentia aquele treco, aquilo que não se sente por ninguém da família. Eu não quero o tempo todo tá perto da minha irmã. Eu enjoava dela, e então eu ficava com você. Ela sentia um ciúme danado, ninguém entendia como éramos tão grudados, e nossa família achando bonitinho sermos como unha e carne. A gente cresceu e nos afastamos. Eu tive muitas vezes um eca enorme de você. Que menino bobo! Ficava implicando, enchendo a paciência, bagunçando minha casa da Barbie, pegando meu batom rosa pra pintar papel. Eu te odiava, mas não consguia ficar longe de você. Eu cochichava com minhas amigas o quanto você era idiota, mas se elas concordavam a briga era feia! Só eu podia te achar idiota. E crescemos mais um pouquinho, não sei que idéia foi a nossa de estudarmos na mesma escola. Você lembra quando meu tio quis te mudar praquela escola de bacana? Você chorou tanto, que minha mãe convenceu seu pai a não te tirar. Ela me disse que você dizia que queria estudar na mesma escola que eu. Minha mãe até quis que eu mudase também, mas eu não quis, e eu ganhei a luta. Não mudou eu, e nem você. Continuamos na mesma turma. E depois veio a época de ficar com as meninas, você ficou com aquela menina da turma C, que raiva! Ela se fez de minha amiguinha pra te convencer a ficar com ela, achava que éramos primos, não sei porquê você foi inventar isso pra ela. E ela bem conseguiu, você ficou lá, que nem um palhaço e eu armando tudo. Cheguei em casa me sentindo tão esquisita, mas tão esquisita, e não entendi nada. Claro que não tive ciúme, imagina que eu ia ter ciúme de um treco que nem você. Ia nada, eu fiquei é com vontade de ficar com seu melhor amigo. Quer dizer, segundo melhor amigo, a primeira melhor amiga era eu e amigo também, eu te proibia de dizer que você tinha melhor amigo. Aliás eu mandava em você, sempre mandei. Até te bater eu já bati e você foi correndo chorar. Eu chorei mais ainda, e minha mãe me fez eu te pedir desculpas. Eu detestei aquele dia, mais ainda por ter chorado porquê te bati. Eu hein, menina boba, eu pensei. E então crescemos e você me contava das meninas que pegava. Eu morria de rir! A gente ecnhia a cara juntos, dentro de casa mesmo. Nossos pais na sala e a gente na varanda, bebendo escondido. Até aquele dia que eu me acabei de passar mal e meus pais me enfiaram debaixo do chuveiro! E você lá, bancando o bonzão.Eu olhava pra você com raiva, em vez de me defender, ficava debochando dizendo que tinha me avisado pra eu não beber, que sua tia ia ficar brava, Idiota. Depois me acorda seis da manhã mais bêbado ainda, se joga em cima de mim na cama me chamado pra piscina. Te mandei ir a merda. Eu não lembro, mas você me disse no dia seguinte. Disse também que teve que me cobrir, que eu estava praticamente pelada. Outro dia bêbado você disse que ficou me olhando, e eu morri de rir e te dei um tapa. Cheguei em casa e chorei. Chorei demais, chorei desesperada. E vieram as farras, cada um prum lado, você pegando as mulheres e eu dando pros carinhas que eu achava bacanas. Você nem tinha carro, às vezes roubava o do meu tio e a gente ia pras festas, eu não queria ficar perto de você e nem você de mim. E foi muita bagunça, muita cachaça, muita zueira, e no dia seguinte a gente se encontrava no barzinho debaixo de casa pra contar as resenhas. Eu comecei a namorar e você também, nos afastamos muito, não tinha a menor vontade de sair com vc, como dois casais, me dava nos nervos pensar isso. Mas eu era desencanada, fingia que isso era normal, eu hein, algum dia a gente ia se separar, íamos cair no mundo. Tanto é que você foi pra Austrália quando terminou e eu inventei um curso no Canadá. Um frio terrível. Mas não resisti ao seu convite pra ir pro calor e lá fui eu me mandar pra Alice Springs...Praquele calor gostoso. Foram bons aqueles dias lá, eu me diverti muito, mas esqueça,você não sabe surfar. Não sabe ué, e tem que aprender a conviver com isso, me faz passar vergonha! Em compensação os seus saltos de bungee são os melhores.
Acabei de chegar do aeroporto, minha mãe ficou me enchendo a paciência querendo que eu falasse da viagem, mas eu só faço chorar, nossos dias foram perfeitos. Perfeitos mesmo, e é engraçado como você ainda tem a mania de dormir com o travesseiro entre as pernas. Engraçado também foi a gente ter dormido junto na cama de casal no quarto do hotel, tinham duas e a outra ficou só com as malas.
A gente cresceu, não foi? Eu percebi isso quando o avião subia. E quando pousou de volta no Brasil, eu finalmente encarei a realidade.
Eu não sei viver sem você e jamais conseguiria dormir de novo, depois daquelas noites. Foi mesmo séria aquela nossa conversa? Quando você disse que era pra eu ficar, era verdade? Foi a primeira vez que vi aquele olhar, e não te reconheci, por isso tive medo e voltei.
Voltei também pra renovar meu visto. A Austrália é mesmo como você falou. E você disse que só gostava dela quando eu estava lá.
Prepare o quarto do hotel de Alice, pode ser aquele mesmo, e lembre-se das duas camas. Odeio guardar roupas em armários...

sábado, 9 de abril de 2011

Chá da tarde

-Então, é hoje a sessão de iniciantes, eu já falei sobre você com o mestre, vamos chegar lá mais cedo pra sua entrevista.
-Tá, mas ele vai perguntar o quê?
-Ele vai explicar sobre o chá, a religião, vai te fazer algumas perguntas e pronto, é simples.
-Tá...
Era uma chácara, longe da cidade, em meio ao mato tinha uma área coberta, com várias cadeiras e uma mesa no meio, com um arco escrito: União do Vegetal. Era sapo e bicho pra tudo quanto era lado, e era tudo muito normal. Famílias, muitos idosos, alguns adolescentes - que nasceram no meio - e a maioria tipo pai e mãe, muitos casais. Tive a reunião em que o mestre me explicou sobre o chá, que não era alucinógeno como os outros pensavam, que quem descobriu foram os incas, e que as duas ervas eram colhidas na Amazônia peruana. Eu estava nas nuvens, amarradona, tinham me dito que você voltava no tempo, via várias paradas e que sua vida melhorava. Na real, eu preciso me tornar uma pessoa melhor, e eu já tentei de tudo, tudinho e nada funciona, então eu apelei pra natureza, pro vegetal. Disseram que você repensava sobre suas atitudes, que achava meios para mudar o que era necessário e que você iria refletir muito sobre você mesmo. Eu achei que era tudo o que eu precisava.
Enfim, teve a cerimônia de abertura e todos tomaram o chá. Um gosto muito ruim, muito mesmo, mas deu pra engolir. E eu sabia que os efeitos iriam demorar. Sentei na cadeira, com o travesseiro que me aconselharam levar, e fiquei olhando as pessoas, algumas de olhos fechados e outros de olhos abertos. Começa uma música, do Roberto Carlos - juro, e uns vinte minutos depois ela veio, a Borracheira! Sim, borracheira é o nome da onda que você tem, que com toda a seriedade deles, chamam através de músicas.
Na verdade, eu não tava entendendo mais nada. Eram muitas formas, meus olhos fechados, formas coloridas. Sabe aquele tipo de luneta que a gente tinha quando era criança que via uma imagem e quando vc girava a lente a imagem ia se mexendo? Era aqulo na minha cabeça toda, contra a minha vontade, eu ficava tonta, tentando entender o que era aquela loucura. Um mix de coisas, formas se mexendo e eu pensei: "Fudeu, não vou voltar nunca mais!". E eu comecei a suar, tive febre, tenho certeza, aí abri os olhos pq aquelas formas coloridas estavam me deixando louca e tonta, e virei pra minha amiga:
-Vê se eu tô com febre.
-Não tá não....
Puf, voltei às formas loucas. E então meu espírito saiu, sério, eu estava encostada na cadeira, relaxada, com olhos fechados, e queria sair dali, abrir os olhos de qualquer maneira."Se mexe, vai beber uma água." " Não tenho forças!" " Eu quero me mexer, to tontaaa!" "Mexe, mexe, mexe!!!""Não dáááá!" Eu tava alucidada.
-Mestre, dá licença lá fora? - Alguém falou.
-Sim, pode ir.
E várias pessoas começaram a pedir "licença lá fora", pra ir vomitar. Sim, é sério, mais de 30% das pessoas, tem uma borracheira forte, ou o chá faz mal e eles têm que colocar pra fora. Aquilo me impressionou. Agora eram as formas e o barulho dos vômitos, que todos achavam tão normal, e eu continuava sem me mexer, até que finalmente, eu senti uma emoção muito forte, a mesma sensação de quando eu tô muito bêbada e fecho os olhos quando vou fazer xixi, vem aquele treco, igual quando se leva um susto, sabe? Então, foi o espírito voltando pro meu corpo e eu abri os olhos. Todos de olhos fechados, curtindo sua borracheira. Volto a fechar os olhos, agora quem canta é o mestre! Que parada.... O mestre cantando, aí eu já não sabia se era música do som, ou se era a voz dele e eu o via cantando, mas ainda sim era confuso demais, impossível ele estar cantando daquela maneira, que loucura... Mas ele tava e que voz alta! E então meus olhos se fecharam, começou a chover muito forte, muito mesmo e o barulho da chuva era muito forte, e eu já tava achando que era o fim do mundo, mas ao mesmo tempo eu tinha consciência de que era só uma chuva forte, muito forte, mas parecia mesmo o fim do mundo. E se acabasse ali, meu amigo, eu tava é bem pra caralho!
Nossa!!! Não acredito! O Dênis!!! Eu tinha três anos de idade, estava com um shortinho azul, sem camisa, em Saquarema, agachada com um gravetinho na mão passando no chão, e dava pra sentir tudo! O Dênis lá, agachado também, com aquele cabelo castanho lisinho! Que loucura, eu estava lá com o Dênis!!! Eu jamais lembraria em minha vida que um dia o Dênis existiu! Foi um dia que eu passei com ele, era filho dos amigos dos meus pais e ele morava lá, passamos um dia na casa deles. E aquilo era uma foto que minha mãe tinha guardado. Depois, eu creci um pouco, cheguei aos sete anos, era sexta-feira e eu tava no banheiro da minha escola me arrumando para uma festinha! Mas era o banheiro antes de ser reformado! Eu jamais lembraria que ele sofreu uma reforma! Dava pra ver a madeira da porta, descascada e eu tava muto alegre indo pra festinha! Eu revivi todos os detalhes, as roupas espalhadas pelo chão, a sensação boa de final de semana e minhas amigas lá! Uma delícia! Minha borracheira estava um arraso!
E depois, aos poucos ela foi indo embora, eu fui voltando a realidade, comecei a sentir o frio do mato, e o mestre começou a finalizar a cerimônia e cantou para que a borracheira de todos fosse embora.
Quer acreditem, quer não, minha vida tá muito calma, e tem um sentido maravilhoso... Não sei se foi meu amor que mudou um bocado, mas meu relacionamento tá perfeito! Ele é tudo o que eu quis que ele fosse, e eu sou uma pessoa calma! Viva a União do Vegetal!
Amei, de verdade, foi muito louco, uma experiência única, é uma religião séria, onde há princípios, e tudo o mais. E eu, sem uma religião fixa, estou começando a pensar na idéia de me associar à União. Eu achei tudo muito lindo, muito calmo, muito luz, paz e amor - o lema deles.
Mas que é alucinógeno é....